“Seremos lidíssimos! Insultadissimos! Celebérrimos. Teremos nossos nomes eternizados nos jornais e na história da Arte Brasileira.”(Trecho da carta-convite de Mario de Andrade à Menotti Del Picchia para participar da semana de Arte Moderna.)
Anos
atrás, um grupo de conferistas abria uma das maiores manifestações culturais da
historia, que reuniu artistas, músicos, poetas, escultores e pintores. A
primeira manifestação coletiva de arte moderna no país, a Semana de Arte
Moderna. A polêmica semana de 1922.
A
ideia era realizar o evento nas dependências de uma livraria, com espaço
suficiente para tanto, mas as pretensões foram de tal maneira crescendo que o
mínimo a que se podia desejar para uma “manifestação espetacular que abalasse,
pelo seu vulto e violência, o povo brasileiro” (Menotti) só poderia ser o mais
o mais importante teatro da cidade, o Teatro Municipal de São Paulo.
As
manifestações artísticas ocupavam as escadarias, o saguão, o palco com
agressividade raras vezes vista. Despertaram na maioria do público sentimentos
oscilantes entre divertimento e a indignação. Principalmente os trabalhos de
artistas como Anita Malfatti e Vitor Brecheret, que tiveram o dom de
escandalizar os visitantes. Mas era essa a intenção.
O
objetivo da semana era renovar o ambiente artístico e cultural do país,
redescobrir o Brasil, repensá-lo, tentar desvinculá-lo esteticamente do que
ainda o prendia a Europa. A semana de 22 foi, sem duvida, o ponto alto da
insatisfação com a cultura vigente, submetida a modelos impostos, e a
reafirmação de busca de uma arte verdadeiramente brasileira.
As
manifestações causaram impacto e foram muito mal recebidas pela plateia, o que
na verdade contribuía para o debate e a difusão das novas ideias em âmbito
nacional.
Os
críticos se dividiam entre os que defendiam que a arte fosse uma copia fiel do
real e do outro lado, os que desejavam certa liberdade criadora para o artista,
que ele não se sentisse cercado pelos limites da realidade. A semana de certa
forma contribuiu para essa “libertação”.
Essa
divisão entre os conservadores e renovadores prevaleceu por muito tempo e
atingiu seu auge na semana de 22. A partir dela iniciou-se uma década de
polemicas, provocações, invenções, brigas estéticas, enfim, parecia
inesgotável, e isso levou Mario de Andrade a afirmar que os oito anos que se
seguiram a “festa” do Teatro Municipal foram “a maior orgia intelectual que a
história artística registra”.
Embora
hoje o modernismo exposto pela semana pareça pouco moderno, e as ideias
estéticas de seus principais participantes sejam confusas, não se pode negar
que a semana representou, para a evolução artística brasileira, um verdadeiro
divisor de águas. Menotti del Picchia assim defendia:
“A Semana foi apenas uma data, como o
7 de setembro, a eclosão de um movimento de independência nacional que vinha de
longe” (Menotti 1972). Paulo Mendes de Almeida escrevia cinquenta anos mais
tarde, que:
“Já não era um gesto
isolado de rebeldia o que presenciávamos, mas um clamor em coro, um movimento
de grupo, em que se integravam importantes personalidades, e que deu,
positivamente, um safanão naquele adormecido em berço esplendido Brasil das
letras, das artes e do pensamento.”
A Semana de Arte Moderna não foi bem
entendida na sua época, mas desde então vem se firmando como o mais marcante
“fato” de nossa história cultural. Traduz-se hoje em tudo o que se fez
imediatamente antes e nos dez anos seguintes a fevereiro de 1922, e exprime
simbolicamente o movimento modernista brasileiro. Que hoje é devidamente
reconhecido como um período de grande impulso e responsável pela conquista de
nossa emancipação artística.
A
semana de 1922 foi o primeiro passo para a arte brasileira de hoje. Sem ela
provavelmente nossa produção artística tivesse seguido um rumo diferente.
Referências:
ANDRADE,
Mario de. O movimento modernista.
In: - Aspectos da literatura brasileira. São Paulo, Martins, 1974.
PICCHIA, Menotti del. A longa marcha. 2ª etapa: Da revolução
modernista a revolução de 30. São Paulo, Martins/cons. Est. De cultura, 1972.
REZENDE,
Neide. A semana de arte moderna. São
Paulo: Ed Atica, 2002.