Estamos em 7 Junho 1968, na Universidade de Viena juntamente com mais 300 estudantes em um evento da Associação de Estudantes Socialistas da Áustria.
Estamos tendo uma palestra sobre a situação, a função e as possibilidades da arte na sociedade capitalista.
Quando de repente ações simultâneas começam a acontecer:
Um homem nu, efetua com a lâmina de barbear alguns cortes no peito e coxa, se auto mutila, urina e bebe sua urina. Defeca a espalha as fezes em seu corpo, enquanto canta o hino nacional austríaco. E então deita-se e começa a se masturbar. Outros homens nus, bebem cerveja enquanto realizam movimentos de simulação sexual, movendo ritmicamente as garrafas até a espuma atingir o público.
Kunst und Revolution, 1968. Universidade de Viena Fotos: Siegfried Klein |
Esse foi a ação Kunst und Revolution (Arte e Revolução) dos acionistas vienenses, grupo formado em Viena entre 1965 e 1970 pelos artistas austríacos Herman Nitsch, Otto Mühl, Rudolf Schwarzkogler e Günter Brus que levaram o gênero da performance a seus extremos.
À primeira vista inaceitáveis tanto do ponto de vista moral quanto artístico, as propostas dos Acionistas foram gradualmente – e surpreendentemente – ganhando status de vanguarda dentro da História da Arte, assumindo um papel transgressor e se caracterizando como a forma mais violenta e agressiva de tratar o corpo e a moral no âmbito artístico de seu tempo...onde colocaram a negação absoluta da estética, da arte, do artista, sob o lema de liberdade e redenção.
Satisfazendo o apetite pelo sensacionalismo e espetáculo na arte, o próprio corpo era o suporte da obra e os materiais usados eram, além dos instrumentos de corte e perfuração, principalmente o sangue e as secreções do próprio, renunciando, desse modo, qualquer tipo de mercantilização.
Os acionistas consideravam que a podridão e a perversidade nas suas ações artísticas teriam, paradoxalmente, poderes curativos: o choque promovido pela indigesta arte do grupo teria a capacidade de purificar e redimir.
Hermann Nitsch
As ações de Nitsch, com uma estética meio gore, são voltadas para o sacrifício e o ritual, num ataque direto aos valores religiosos, parecendo meio satânico, bacanal e sangrento.
Suas performances e happenings incorporam muitos elementos como animais abatidos, frutas vermelhas, música, dança e participantes ativos.
Em Orgien Mysterien Theater (Teatro das Orgias e dos Mistérios) ele satiriza e questiona a ética moral da religião, não somente ignora a velha separação entre o sagrado e o profano, o divino e o humano, mas se constitui também como uma forma eficaz de “profanação” de todos os dispositivos de poder (sexual, religioso, político, social), na medida em que ele desativa-os, coloca-os em crise, brinca com eles, destituindo-os de sua utilidade, fazendo um “uso novo” e operando assim a “neutralização de tudo aquilo que profana”.
Hermann Nitsch. Orgien Mysterien Theater. sd Fonte: Nitsch |
Hermann Nitsch. Orgien Mysterien Theater. sd Fonte: Nitsch |
Rudolf Schwarzkogler
Rudolf Schwarzkogler se volta para a artificialidade do corpo, que mais parece nos remeter ao sado-masoquismo, por meio da fotografia nos mostra seu corpo auto mutilado, recorrendo a atmosfera hospitalar, as simulações cirúrgicas, e ao ambiente catastrófico.
Toda a sua obra consegue passar uma sensação de agonia, angústia, associada a um certo medo. Tem um carácter mórbido/sinistro, e causa até certo impacto. Talvez pelo mito formado em torno ao artista, talvez pelo formato cético da apresentação em preto e branco.
Rudolf Schwarzkogler. 3rd Action. 1965 Fonte: ArtNet |
Rudolf Schwarzkogler. 3rd Action. 1965 Fonte: ArtNet |
Günter Brus se centrará no corpo e em seus processos de resistência e de purificação, partindo do corpo como um suporte para a pintura sendo que a cor virá das substâncias que ele mesmo produz: sangue, secreções e excrementos. Para isso introduz objetos como machados, tesouras, facas, garfos e lâminas de barbear, como contraponto a vulnerabilidade do próprio corpo, limite de violência e destruição.
Günter Brus. Zerreißprobe, 1970. |
Otto Mühl
As ações de Otto Mühl se voltam mais para a liberação sexual pela via da perversão e do escárnio.
Em 1969, Muehl aparece na ação “Stille Nacht” (Noite feliz), em que um porco foi dilacerado e o seu sangue, bem como a urina e os excrementos eram atirados ao corpo de uma mulher nua, enquanto se ouviam canções tradicionais de Natal.
Otto Muehl. Stille Nacht / Materialaktion Nr. 59. 1969
Fonte: UBUWEB
Para finalizar este pequeno estudo em torno dos Acionistas Vienenses na qual a literatura é pouco vasta, me permito dizer que suas ações mesmo chocantes, ainda sim são tendências em muitos trabalhos atualmente.
E também deve-se observar que tal aversão se dá inclusive pela construção da imagem social do corpo que se tem. Isso é base para muitos outros trabalhos de performance que buscam promover reflexão em torno dessas questões culturalmente tramadas não só a respeito do corpo mas também de outros temas sexuais, políticos, religiosos e sociais.
:)